sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Tom de Festa - Terra da Fraternidade

Terra da Fraternidade foi o nome dado ao espectáculo que encerrou a 22ª edição do Tom de Festa - Festival de Músicas do Mundo, organizado pela ACERT – Associação Recreativa e Cultural de Tondela.
Tratou-se de uma sincera homenagem a José Afonso que contou com um excelente lote de músicos e intérpretes que souberam honrar da melhor forma o seu nome.
Este espectáculo musical assentou numa banda base composta pelo grupo A Cor da Língua/ACERT, enriquecido por uma série de músicos convidados e contou ainda com um naipe de participantes que fizeram com que esta noite, maravilhosamente única, ficasse para sempre na memória de todos os que puderam assistir. Toda a direcção musical, arranjos e percussões foram da responsabilidade de Rui Lúcio que contou ainda com as Guitarras de Carlos Peninha, o Violoncelo de Lydia Pinho, o Contrabaixo de Miguel Cardoso, a Flauta e Voz de Luísa Vieira e a Voz de José Rui Martins, a este grupo de virtuosos ainda se juntaram outros, não menos virtuosos, convidados, como Adriano Franco no Trompete, Pedro Santos no trombone, Hugo Gama nos Saxofones, Ricardo Formoso no Flugelhorn, Manuel Maio no Violino, André Cardoso na Guitarra, Filipa Meneses nos Teclados, Miguel Cordeiro na Guitarra e Henrique Apolinário no Violino.
A primeira entrada em palco foi de Zé Rui, responsável da ACERT, que fez de cicerone para tudo o que se seguiu, mais tarde houve outro apresentador/participante surpresa que também não lhe ficou atrás. Na sua primeira intervenção Zé Rui leu uma sentida Carta a um amigo Maior que o Pensamento que a certa altura dizia “(…)Zeca, a prova que continuas aqui connosco a participar na realização de acontecimentos desta natureza; ou pensas que, em tempos que não gostarias de viver (mas que saberias resistir e dar combate), era possível concretizar um concerto com estes participantes e com a sua solidariedade cúmplice, se não fosses tu o verdadeiro produtor? (…)”

Depois desta comovente introdução entrou o grupo A Presença das Formigas, com a colaboração de Sara Vidal (Contracorrente e ex-Luar na Lubre) para uma versão de Senhora do Almortão, logo seguido de Francisco Fanhais que trouxe Cantata da Paz, canção de um poema de Sophia de Mello Breyner que infelizmente, basta mudar o nome de alguns dos países referidos, continua muito actual.
A terceira participação foi da responsabilidade de um grupo da casa, os New Sketch que trouxeram o tema O Povo é quem mais Ordena, uma excelente letra e música “afunkulhada” muito interessante.
A representar os Cantos da Liberdade de Coimbra veio José Santos para cantar Maio Maduro Maio.
Com uma lindíssima versão À Capela de Adeus Ó Serra da Lapa veio Luís Pastor acompanhado de Lourdes Guerra, logo de seguida juntou-se-lhes João Afonso para cantar Lá no Xepangara e a festa começa a dar “um cheirinho” e soou o primeiro grito de “Viva o Zeca Afonso!” pela voz de Pastor.
Carlos Clara Gomes, um cantautor viseense que acompanhado por Aurélio Malva (Brigada Victor Jara) cantou uma bela versão d’A Formiga no Carreiro.
Manuel Freire cantou um poema de Jorge de Sena – “que quase ninguém sabe quem é, mas toda a gente sabe quem é o Aldrabão do Miguel Relvas” – referiu em jeito de desabafo, antes de se lançar no clássico “Pedra Filosofal” que ainda hoje causa arrepios em quem ouve e que pôs todos a cantar em coro, mesmo no ritmo acelerado desta nova versão.
Sebastião Antunes veio de seguida para reiniciar a festa com Rio Largo de Profundis, uma canção de Zeca que parece ter sido feita para ele, para logo depois “atacar” uma versão emocionante de Que o Amor não Me Engana em que as cordas da guitarra Folk de Sebastião e a sua voz chegaram a causar arrepios.
Chegou o primeiro momento Galego da noite, primeiro com o fantástico Carlos Blanco, conhecido actor e apresentador que por vezes aparece na TV Galega, que fez um pequeno monólogo que arrancou gargalhadas a todos os que encheram o recinto, ao mesmo tempo que falava de assuntos sérios, assim é o seu magnífico humor.
Deixou-nos com um sorriso nos lábios e com Najla Shami, Galega de pai palestiniano, dona de uma lindíssima voz que cantou de uma forma irrepreensível os Índios da Meia Praia e a Canção de Embalar, eu adoro ouvir estas canções com palavras galegas no meio e o público também gostou.
Um dos pontos mais altos da noite, pela surpresa que me causou, principalmente, foi a excelente reinterpretação de A Morte Saiu à Rua, feita por Fran Pérez um músico Galego que colabora há alguns anos com a ACERT e que tem afinidades com a música de Moçambique. Essas afinidades foram notórias no segundo tema –“uma música que não é do Zeca, mas suponho que ele gostaria porque é de Moçambique” - um original de Paulo Makamo, Xigumbele, uma canção quase encantatória, com um toque quase de blues.
Continuando “em altas” entram os Couple Coffe com Júlio Pereira para tocar Alípio de Freitas, canção escrita por Zeca e dedicada a este activista e à sua família quando ele esteve preso pela CIA, durante a Ditadura Brasileira, musicalmente foi um fabuloso “duelo” de virtuosos, Norton Daiello no Baixo, Júlio Pereira no Bandolim e Luanda Cozzeti (filha de Alípio de Freitas) na voz que vai controlando a “viagem” dos músicos, enquanto controla os próprios sentimentos e os vai guiando pelo caminho. O segundo tema foi Vampiros, mais uma vez com um excelente sabor tropical temperado pelo bandolim de Pereira.
João Afonso veio novamente ao palco para cantar Utopia, Papuça e Entre Sodoma e Gomorra já acompanhado de Júlio Pereira e Luís Pastor, e claro cada vez que aparece este homem, parece que a festa vem com ele e “ainda por cima” contagia todos os que estão à sua volta.
Uxía, “a portuguesa, mais Galega de Portugal”, como por brincadeira a descreve João Afonso, canta O Menino do Bairro Negro e traz-me à memória um concerto que vi dela em 2005 no Festival de Ortigueira, onde já me tinha enchido de emoção ouvi-la a cantar Zeca, tal como aconteceu agora em Tondela. Adorei o seu “Viv’ó Zeca Afonso!” depois de nos contar a forma como lá na Galiza o sentem, o cantam e ouvem ainda hoje, bares inclusive e a forma como ele dizia que a “Galiza era a sua Pátria Espiritual”. Depois cantou Verdes São os Campos, poema de Luís de Camões, musicado por Zeca e por ela dedicado à ACERT.
Zeca Medeiros entra em palco para cantar Vejam Bem, como só ele sabe. Logo de seguida convida para o acompanharem no palco o Zé Rui, a Uxía, o Manuel Freire e o Francisco Fanhais, a canção é O Cantador, feita por Medeiros para homenagear Zeca Afonso.
Vitorino sobe ao palco acompanhado de Sara Vidal para cantar Carta a Miguel Djéjé, seguiu-se uma pequena história saborosa passada por Vitorino e outros amigos na região de Tondela que serviu como excelente introdução ao tema Traz outro Amigo Também.
A apoteose estava a chegar e claro faltava o Venham Mais Cinco e com todos a serem chamados ao palco previa-se um final estrondoso. Claro que foi melhor que qualquer previsão, a festa e a alegria generalizou-se e passou do palco para o público e do público o para o palco.
Foi uma saudável contaminação de alegria quase anárquica, como eu há muito não me lembrava de ver.
Antes de rematar o concerto, o Presidente a Associação José Afonso (AJA), Francisco Fanhais, partilhou uma carta de 1984 que Zeca escreveu a uns amigos de Braga que o homenagearam na altura e por fim foi cantado o Grândola Vila Morena a plenos pulmões, por artistas e público.
Uma coisa já está garantida, esta Terra da Fraternidade vai ficar para sempre na minha memória e acredito que também na de todos os que tiveram a felicidade de lá estar.
Obrigado ACERT e Parabéns por terem tornado isto possível!

1 comentário:

Unknown disse...

Bela e prazenteira noite aquela, que como o Nuno tão bem descreveu, o Acert nos proporcionou a todos aqueles amigos, sentir emocionadamente a música do maior autor da música moderna Portuguesa, aquele que nunca cedeu um milimetro nos seus valores, ...

Um pequeno reparo na crónica do Nuno, falta referencia ao último artista, que nos proporcinou após o concerto momentos de muito boa dança, apenas e só com boa música Portuguesa, ainda bem que há alguem que resista Um abraço DJ Johnny Red.